Vilarejo - Marisa Montes (contradições!)

Situação: Eu, (por volta das 7 da manhã) um mero indivíduo amassetado em transporte publico, carregando em uma das mãos a alça da mochila pesada contendo livros, textos, pastas com trabalhos, cadernos, marmita e coisas de mulher. A outra mão estendida para o alto, segurando o pedacinho de ferro que sobrou para tentar se equilibrar, pés quase juntos devido a disponibilidade de espaço, um dos fones do celular no ouvido direito e o outro não sei aonde por ter caido com o saculejo do onibus (adoro descrever meus momentos de sufoco), quando derrepente ouço: "vem andar e voa, vem andar e voa, vem andar e voa..." . Não lembro por onde estava passando ou olhando, só lembro de ter mergulhado de cabeça nessa musica... Ouvindo aquela letra confortante, viajando na voz suave de Marisa Montes, esqueci por alguns minutos a situação desagradável. Imaginava o vilarejo e sua calmaria... Senti, mas uma vez, o poder de trasição que a música nos permite fazer em alguns momentos. Escutei ali tudo o que eu gostaria de ter naquele momento e que, mentalmente, tive. Definitivamente, a grande inspiração que os compositores possuem para escrever letras de musicas é o desejo de ter, ser, fazer... etc...

Quando fui procurar o clipe no Youtube (já cogitando uma postagem no blog) e vi a música linda e bucólica, que me remeteu à calma e a  sentimentos nobres, contrastada num video com cenas fortes de guerra, desordens de todos os tipos, extremistas religiosos, crianças armadas, pobreza, superpopulação, violência e tudo de ruim que a raça humana acumula à milhões de anos. Eu sabia que era propositado, mas de cara não entendi a extrema contradição.  Pesquisei na internet alguma crítica sobre a música, a fim de entender melhor a incongruência entre clipe e música e achei um recorte da entrevista publicada no O Estado de São Paulo, com a opinião da própria Marisa, que justifica a idéia de Vilarejo:

"A gente fica sempre cobrando transformações do mundo, do governo, do Lula, do ministro, do Congresso e não sei o quê. Acho que o indivíduo é a sociedade. Então, essa canção fala de todas aquelas coisas maravilhosas que o mundo poderia ser e é também um olhar contrastante em relação ao que a gente vive hoje", diz. "É muito ingênuo e leviano achar que alguém vai mudar alguma coisa se a gente não mudar cada um de nós. Acredito que essa é a única transformação possível no Brasil: todo mundo não jogar lixo na rua, na praia, não fazer xixi na esquina, reciclar seu lixo, pegar o cocô do seu cachorro, todo mundo eleger melhor o Congresso, ser um consumidor consciente", prossegue. "Vilarejo fala no final: `tem um verdadeiro amor para quando você for´. Quer dizer, qualquer um pode ter esse lugar. É uma questão de transformação interior, de decisão individual."

Mudar o mundo, conforme a minha opinião, é algo utópico e vai além de não jogar o lixo na rua, não fazer xixi na esquina e outros exemplos de atitudes externas que Marisa citou. Acredito que é uma questão de estrutura interior de personalidade, está no manejo das relações interpessoais que são estabelecidas a partir de crenças e paradigmas constitucionais... coisas que são plantadas na gente desde o nascimento. Um exemplo simples e obvio são as intrigas entre religiões: quem vai confrontar o Deus da pessoa e dizer o que é certo ou errado para o bem de todos? ou melhor, quem que mudaria o seu comportamento, ditado pelo ser que garante sua felicidade eterna, sua segurança em vida carnal, que perdoa todas as suas falhas para se relacionar com um pecador que não acredita nesse seu Deus e faz tudo o que ele desaprova?  É o grande ponto de interrogação que há e que sempre houve desde que se fala de mundo. Mudar seu interior tão bruscamente a ponto de ter paz no mundo é algo muito difícil ou impossível. Não descartando os dizeres de Marisa, (até porque quem sou eu para fazer isso), atitudes simples promovem grandes mudanças! acho que o respeito em pequenos gestos, são primeiros passos, não suficiente para mudar o todo, mas amenizadores da degradação atual.

Potencialidade para modificar seu interior, seja evoluindo ou regredindo, todos nós temos. O problema é que esse processo nunca acontecerá em todos juntos ao mesmo tempo. Sempre haverá alguma desigualdade, algum conflito...

Vamos sonhar com o Vilarejo:


Há um vilarejo ali
Onde Areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão

Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraiso se mudou para lá

Por cima das casas, cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonho semeando o mundo real

Toda gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá

Vem andar e voa
Vem andar e voa
Vem andar e voa


Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
Em todas as mesas, pão

Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos
E essa canção
Tem um verdadeiro amor
Para quando você for