Doce teimosia retrograda.

Como qualquer criatura não muito atípica que habita a terra, anseio afastar tudo que consterna minha alma, aquilo que se difere dos meus desejos... Remover como se fosse prático e simples. A necessidade de trazê-las a mente para elaborá-las, compreendê-las e lidar melhor com tais experiências é algo claro na teoria, mas como é difícil tornar coeso o evocar da dor que aperta o peito e que trás culpa, revolta, nos deixa perdido.  Com metáforas [meras tentativas fracassadas de descrever ou dar sentido às sensações abstratas] aqui exponho:

A dor de dentro poderia ser fácil de tratar como a dor do corpo, poderia haver uma anestesia que imuniza da aflição enquanto se resolve o problema... Como extrair um dente ruim num consultório odontológico. É realmente uma pena que não exista anestesia que impeça o tormento da extração da dor interna... Queixo-me por não existir esse remédio como uma criança que lamenta não existir o Papai Noel ou ter uma casa de chocolate: Algo irracional, mas lamentável.
Pensar nas moléstias que tentamos esconder é como arrancar a casca de ferida de um corte profundo mal cicatrizado: dói, sangra, visualizamos o aspecto feio da pele e a nossa fragilidade muitas vezes não reconhecida ou negada.
Lembro-me da ultima vez que passei mal, acometida por uma má digestão. Diante de uma intensa vontade de vomitar, em vez de regurgitar o alimento mal digerido, tentava de todas as maneiras possíveis evitar o vômito, tomando todos os medicamentos e chás que me recomendavam. Minha mãe então me dizia “Menina! Acaba logo com isso, depois que você coloca para fora passa o mau estar”, mas eu odeio vomitar! Não suporto o gosto amargo, a aparência desagradável e mal cheirosa e o pior de tudo, depois que começa se perde o controle, se permitir o primeiro impulso, não consegue mais parar por vontade própria... Tenho medo disso. Embora isso não seja algo recorrente, desde criança, toda vez enquanto vomito, eu choro.
Assim é o refluxo daquilo que azucrina nossa alma. Diferente do vômito que, por pura lógica, sabe-se que uma hora pára de sair, não se pode ter a mesma certeza do conteúdo da mente e expansão da afetividade reprimida. Há um medo de se deparar com uma incapacidade de controlar e de não conseguir estancar o sangue da ferida que dói.
 Porque não tirar a casca da ferida? Porque a casca é uma extensão da pele, é criada para reparar a ferida que se formou... Se retirada, novamente ali haverá uma ferida que pode voltar a doer. Depois da dor vem o alívio (clichê?), mas a ferida deixa marcas, cicatrizes... E o que garante que esse vestígio não causará dor nunca mais? Então porque desenterrar o que insistentemente escondemos nas profundezas? Enfim, é uma eterna briga entre razão/racionalização e a sensação/sentimento.
Não espero respostas prontas e simples porque ainda não me sinto capaz e crente de que alguém me dará tais revides além de minha própria vivência. Torço para não ser vencida pela aversão e que a curiosidade e a intrepidez sejam sempre maiores. Embora não tenha como negar que sempre existira o medo do desconhecido... Mesmo que esse desconhecido esteja em você, ou seja você.